A cidade a partir da qual escrevo neste momento, o Rio de Janeiro, expressa de forma categórica os dilemas trazidos pela securitização da política e consequente militarização da segurança, em lugar da politização da segurança.
Durante décadas, à semelhança de grande parte da América Latina, as políticas públicas de segurança assentes na resposta militarizada às inseguranças resultantes dos fluxos transnacionais de armas de fogo e drogas, das quais o “caveirão” (blindado usado pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais nas operações policiais nas favelas), a construção de muros demilitadores em comunidades pobres e favelas e a instituição de ‘check-points’ e ‘blitzs’ são símbolos máximos, foram priorizadas em detrimento dos imperativos de redução das desigualdades, investimento social, e re-organização urbana.
A recente declaração de intenções da parte do Estado em colmatar a sua ausência nos territórios ocupados pelas facções do tráfico através da instalação de Unidades Policiais Pacificadoras (UPP), respaldada por medidas a nível federal de satisfação de necessidades básicas, apoio social (como o programa Bolsa Família) e investimento em infraestruturas essenciais, parecia antever o início de uma inversão na relação entre cidadãos e governo(s), abrindo caminho para invalidar a metáfora de Zuenir Ventura da ‘cidade partida’ (dividida entre favela e asfalto). Todavia, até ao momento, só a ‘polícia subiu o morro’.
Enquanto se discutem a urgência e os moldes de um programa complementar às UPP (a UPP Social), os confrontos que perduram desde domingo passado, e que se estendem por toda a cidade - ainda que concentrados sobretudo na zona norte -, deixam no ar as incógnitas sobre o rumo das políticas públicas sociais e de segurança pública no futuro.
A realidade brasileira, longe dos padrões de criminalidade violenta do espaço OCDE, onde (ainda) nos inserimos, pode, contudo, ser vista como um alerta para os (muitos) riscos da opção política “primeiro a segurança, depois o bem-estar”, e em particular para os perigos do enraizamento da lógica de construção de inimigos e bodes expiatórios que vem atrelada a esta priorização (no Brasil, “os pobres, negros e favelados”, em Portugal “pretos e ciganos”), eixo de alimentação de novas espirais de violência.
Como refere a feminista das Relações Internacionais, Cynthia Cockburn, “a desigualdade é a chave da insegurança. Legitima a violência contra pessoas consideradas inúteis, conduzindo-as, por vezes, a recorrer elas próprias à violência para ganhar respeito e poder”. Se aceitarmos que o paradigma convencional de segurança (bélico, estatocêntrico e masculinizado) é, em si, um factor produtor de inseguranças e reprodutor de desigualdades, ao negligenciar inseguranças de ordem estrutural (acesso à justiça, educação, emprego, entre outros) e cultural, e que estão na base de muitas das expressões violentas de larga-escala, resta-nos recusar a dicotomia segurança/bem-estar e lutar, em alternativa, por políticas de segurança abrangentes, que contemplem as dimensões económica, social, cultural e militar e os níveis macro (formal, internacional e nacional) e micro.
Durante décadas, à semelhança de grande parte da América Latina, as políticas públicas de segurança assentes na resposta militarizada às inseguranças resultantes dos fluxos transnacionais de armas de fogo e drogas, das quais o “caveirão” (blindado usado pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais nas operações policiais nas favelas), a construção de muros demilitadores em comunidades pobres e favelas e a instituição de ‘check-points’ e ‘blitzs’ são símbolos máximos, foram priorizadas em detrimento dos imperativos de redução das desigualdades, investimento social, e re-organização urbana.
A recente declaração de intenções da parte do Estado em colmatar a sua ausência nos territórios ocupados pelas facções do tráfico através da instalação de Unidades Policiais Pacificadoras (UPP), respaldada por medidas a nível federal de satisfação de necessidades básicas, apoio social (como o programa Bolsa Família) e investimento em infraestruturas essenciais, parecia antever o início de uma inversão na relação entre cidadãos e governo(s), abrindo caminho para invalidar a metáfora de Zuenir Ventura da ‘cidade partida’ (dividida entre favela e asfalto). Todavia, até ao momento, só a ‘polícia subiu o morro’.
Enquanto se discutem a urgência e os moldes de um programa complementar às UPP (a UPP Social), os confrontos que perduram desde domingo passado, e que se estendem por toda a cidade - ainda que concentrados sobretudo na zona norte -, deixam no ar as incógnitas sobre o rumo das políticas públicas sociais e de segurança pública no futuro.
A realidade brasileira, longe dos padrões de criminalidade violenta do espaço OCDE, onde (ainda) nos inserimos, pode, contudo, ser vista como um alerta para os (muitos) riscos da opção política “primeiro a segurança, depois o bem-estar”, e em particular para os perigos do enraizamento da lógica de construção de inimigos e bodes expiatórios que vem atrelada a esta priorização (no Brasil, “os pobres, negros e favelados”, em Portugal “pretos e ciganos”), eixo de alimentação de novas espirais de violência.
Como refere a feminista das Relações Internacionais, Cynthia Cockburn, “a desigualdade é a chave da insegurança. Legitima a violência contra pessoas consideradas inúteis, conduzindo-as, por vezes, a recorrer elas próprias à violência para ganhar respeito e poder”. Se aceitarmos que o paradigma convencional de segurança (bélico, estatocêntrico e masculinizado) é, em si, um factor produtor de inseguranças e reprodutor de desigualdades, ao negligenciar inseguranças de ordem estrutural (acesso à justiça, educação, emprego, entre outros) e cultural, e que estão na base de muitas das expressões violentas de larga-escala, resta-nos recusar a dicotomia segurança/bem-estar e lutar, em alternativa, por políticas de segurança abrangentes, que contemplem as dimensões económica, social, cultural e militar e os níveis macro (formal, internacional e nacional) e micro.